Facções Criminosas no Brasil: Origem e Consolidação do Comando Vermelho e do Primeiro Comando da Capital

O fenômeno das facções criminosas no Brasil representa uma das maiores ameaças à segurança pública e à estabilidade do sistema prisional. Essas organizações nasceram dentro dos presídios, cresceram com o tempo e hoje exercem poder paralelo tanto intramuros quanto nas ruas. O Estado, historicamente omisso, permitiu que o cárcere, espaço destinado à ressocialização, se transformasse em um verdadeiro centro de comando do crime organizado.

Compreender a formação dessas facções é essencial não apenas para analisar a criminalidade brasileira, mas também para entender como a ausência de políticas públicas efetivas, aliada a décadas de omissão governamental, contribuiu para a consolidação de um modelo de poder que desafia constantemente a autoridade estatal.

História das Facções - CV E PCC

A gênese das facções criminosas no Brasil

O surgimento das organizações criminosas remonta a práticas delituosas coletivas que sempre existiram na história, como os contrabandistas, o bandoleirismo espanhol e o cangaço brasileiro. Essas manifestações iniciais eram marcadas por certo grau de organização e resistência ao poder estatal, sendo muitas vezes associadas a figuras de “bandidos sociais”. Contudo, o interesse acadêmico por estruturas criminosas mais sofisticadas ganhou força com o crescimento da máfia italiana, originada na Sicília no século XIX e expandida para os Estados Unidos no século XX, especialmente durante a Lei Seca, quando passou a dominar mercados ilícitos como o de bebidas alcoólicas e entorpecentes. A partir da segunda metade do século XX, o fortalecimento do tráfico de drogas impulsionou a ascensão de organizações ainda mais estruturadas, como os cartéis colombianos e grupos como a Yakuza, as Tríades chinesas e o Comando Vermelho no Brasil, consolidando o crime organizado como uma realidade transnacional e de grande impacto social ( Salgado, 2023).

A definição do que seja uma facção ou organização criminosa, carrega forte carga ideológica e revela a complexidade de se traçar uma distinção objetiva entre agrupamentos lícitos e ilícitos. Isso porque até mesmo organizações formalmente legais, como empresas, podem cometer atos ilícitos sem, por isso, serem rotuladas como criminosas. Nesse contexto, a rotulação de determinados grupos como “facções criminosas” está ligada mais a um processo de construção social do desvio do que a uma essência criminosa inerente ao grupo. Conforme sustenta a perspectiva do labelling approach, o qualificativo de “criminoso” não decorre de características intrínsecas, mas da rotulagem promovida por instituições formais, pela mídia e pela sociedade. Assim, o conceito de “facção criminosa” é um produto do poder simbólico exercido por instâncias sociais que atribuem essa condição a determinados grupos, principalmente no Brasil (Shimizu, 2011).

Diante dessa análise, as “facções” criminosas brasileiras surgiram no contexto prisional como uma resposta organizada à repressão estatal, buscando inicialmente unir os detentos contra os maus-tratos e a violência institucional. Essas organizações desenvolveram estatutos próprios e uma ideologia que se fundamenta, ao menos em seu discurso, na luta contra a opressão do Estado e na defesa da dignidade dos presos. (Gonçalves, 2021)

O Comando Vermelho: das prisões à periferia

O Comando Vermelho (CV) é a mais antiga facção criminosa do Brasil, surgida em meados da década de 1970 no presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro. A origem do grupo está associada à Falange Vermelha, formada inicialmente pela união entre presos comuns e presos políticos durante o período da ditadura militar. Esses últimos, ao transmitirem noções de organização e solidariedade, influenciaram os presos comuns na criação de uma estrutura baseada em códigos internos de conduta e lealdade (Amorim, 1994).

A principal motivação do grupo era a sobrevivência dentro do cárcere, marcada pela violência e pela ausência do Estado. Com o tempo, a Falange Vermelha se expandiu e se transformou no Comando Vermelho, consolidando-se como uma facção voltada à prática de crimes como tráfico de drogas, assaltos e sequestros. Diferentemente das antigas quadrilhas desorganizadas, o CV possuía uma hierarquia e um discurso de “união” contra o sistema prisional opressor (Amorim, 1994).

Nas décadas seguintes, o Comando Vermelho ampliou sua influência para além dos presídios, dominando comunidades inteiras no Rio de Janeiro. O tráfico de drogas tornou-se sua principal fonte de poder e financiamento, e a facção passou a exercer controle territorial por meio de armas e da imposição de normas locais. Assim, o CV deixou de ser apenas um grupo de presos para se tornar uma verdadeira organização criminosa com alcance nacional e internacional.

O surgimento do Primeiro Comando da Capital (PCC)

O Primeiro Comando da Capital (PCC) nasceu quase duas décadas depois, em 1993, dentro da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, conhecida como o “Piranhão”, no interior de São Paulo. O grupo foi fundado por oito presos que, insatisfeitos com as condições desumanas do sistema prisional e inspirados na estrutura do Comando Vermelho, criaram uma organização com o objetivo inicial de proteger os detentos contra abusos e arbitrariedades estatais (Shimizu, 2011).

A chacina do Carandiru, em 1992, que resultou na morte de 111 presos, foi um marco que impulsionou o sentimento de revolta e união entre os detentos, servindo de catalisador para o surgimento do PCC. A facção adotou o lema “Paz, Justiça e Liberdade” e estruturou-se em torno de princípios de fraternidade, lealdade e disciplina interna. Entretanto, rapidamente sua atuação ultrapassou os muros do sistema prisional, expandindo-se para o tráfico de drogas, o controle de mercados ilícitos e a articulação de rebeliões coordenadas (Feltran, 2018).

A consolidação do PCC como uma das maiores facções criminosa do Brasil ocorreu pela sua capacidade de gestão e organização. O grupo paulista estruturou um sistema quase empresarial de arrecadação e distribuição de recursos, utilizando a comunicação interna, o financiamento coletivo e o controle disciplinar como mecanismos de coerção e fidelização dos membros.

A expansão e o domínio territorial das facções

Atualmente, o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital são as duas maiores facções criminosas do país, com atuação em quase todos os estados brasileiros e conexões com o tráfico internacional. A rivalidade entre ambas intensificou-se a partir dos anos 2000, resultando em uma série de confrontos violentos, tanto dentro dos presídios quanto nas ruas. A guerra entre CV e PCC ultrapassa a mera disputa por poder: ela representa o reflexo da falência do sistema prisional e da incapacidade estatal de controlar o próprio aparato de repressão.

O controle territorial exercido por essas facções não se limita ao espaço prisional. Nas periferias, muitas vezes o Estado é substituído por esses grupos, que impõem regras, executam “justiças paralelas” e oferecem assistência econômica às famílias locais, consolidando uma relação de dependência e submissão. Essa lógica de dominação social e simbólica revela um Estado ausente e fragmentado, incapaz de exercer plenamente seu monopólio legítimo da força.

Ao longo dos anos, as facções ampliaram suas fronteiras de atuação, na qual inicialmente centradas no tráfico de drogas, hoje estendem influência a setores legais da economia, como mineração, combustíveis, imobiliário, transporte e tecnologia financeira. Estimativas revelam que, em 2022, esses grupos movimentaram cerca de R$146,8 bilhões no setor formal, quase dez vezes acima dos R$15 bilhões arrecadados com o tráfico de cocaína. Tal integração à economia formal facilita a lavagem de dinheiro e torna o rastreamento operacional mais complexo, especialmente frente às limitações de órgãos de controle financeiro como o COAF. (Neto, 2025).

Conclusão

O fortalecimento das facções criminosas no Brasil é consequência direta da falência estrutural do sistema prisional e da ausência de políticas públicas eficazes. Tanto o Comando Vermelho quanto o Primeiro Comando da Capital nasceram da negligência estatal e cresceram na sombra da impunidade.

Referências

AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: A História do Crime Organizado. Rio de Janeiro: Record, 1994.

FELTRAN, Gabriel. Irmãos: Uma história do P.C.C. São Paulo: Editora Schwarcz S.A. 2018. E
Book.

GONÇALVES, Antônio Baptista. MILÍCIAS: O TERCEIRO PODER QUE AMEAÇA A
AUTORIDADE DO ESTADO BRASILEIRO E O DOMÍNIO DAS FACÇÕES CRIMINOSAS. São Paulo:
Almedina Brasil, 2021. E-book.

NETO, Fabio. Crime organizado: a expansão da atuação na economia legal que fatura bilhões no
Brasil. Geoconecta. 2025. Disponível em: https://geoconecta.org/2025/04/crime-organizado-a
expansao-da-atuacao-na-economia-legal-que-fatura-bilhoes-no-brasil/>. Acesso em: 12 de agosto de
2025

SALGADO, Daniel de Resende.; BECHARA, Fábio Ramazzini.; GRANDIS, Rodrigo de. 10 Anos
da Lei das Organizações Criminosas
: Aspectos Criminológicos, Penais e Processuais Penais. São
Paulo: Almedina, 2023. E-book.

SHIMIZU, Bruno. Solidariedade e gregarismo nas facções criminosas: um estudo criminológico
à luz da psicologia das massas. Dissertação (Mestre em Direito). Universidade de São Paulo, 2011.


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